CASTRO ALVES, O POETA DOS ESCRAVOS.
“Ser chamado ‘Poeta dos Escravos’ é uma honra. A escravidão é uma das mazelas, talvez a mais horrenda, que devemos combater em prol da liberdade. É certo que, desde 1850, instituíram-se pesadas penas para o tráfico negreiro, já abolido pela legislatura de 1831, mas ainda vigente. Há dois anos foi proibida a venda de seres humanos em pregão público e até o fim deste ano – não sei se o senhor sabe – será votada a Lei do Ventre Livre.”
Este é um trecho da última entrevista de Castro Alves, concedida a Augusto Sérgio Bastos, em 6 de junho de 1871, em Salvador. O poeta estava gravemente enfermo e morreria um mês depois, aos 24 anos de idade.
Castro Alves não foi somente poeta, mas homem político, ativista que participava de comícios públicos e lia suas obras nos palcos dos teatros, onde uma grande platéia reunia para vê-lo.
Baseada em sua própria entrevista, descrevo sua entrada no palco. Está vestido de negro, muito elegante, com uma flor na lapela. Os cabelos brilhantes foram arranjados de maneira a que os cachos pareçam ‘minuciosamente espontâneos’. No rosto, uma maquiagem clara, para que pareça mais pálido.Todos se agitam à sua entrada e ele logo começa, com sua voz bela e forte, a recitar um de seus poemas. Recita outro, e outro mais. Então, curva-se diante da platéia, que aplaude entusiasmadamente.
Sugestão
Abaixo temos a transcrição de parte do poema ‘Navio Negreiro’. Percebe-se que são versos altissonantes (ver a quantidade de exclamações), que esse tipo de poema foi criado, sobretudo, para ser declamado, para atingir a multidão. Assim, é bom ler primeiro silenciosamente, para compreender o conteúdo. Em seguida, ler em voz alta, com entonação declamatória.. Tentar imaginar como o poeta declamava para o público.
NAVIO NEGREIRO
‘Stamos em pleno mar. Abrindo as velas
Ao quente arfar das virações marinhas,
Veleiro brigue corre à flor dos mares,
Como roçam na vaga as andorinhas.Era um sonho dantesco… o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho,
Em sangue a se banhar.Tinir de ferros… estalar de açoite…
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar…Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas,
Rega o sangue das mães.Outras moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoas vãs!E ri-se a orquestra, irônica, estridente…
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais.Se o velho arqueja,se no chão resvala,
Ouvem-se gritos…o chicote estala,
E voam mais e mais…Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que de martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!Existe um povo que a bandeira empresta
P’ra cobrir tanta infâmia e cobardia!…
E deixa-a transformar-se nessa festa,Em manto impuro de bacante fria!…
Meu Deus! Meu Deus! Mas que bandeira é esta
Que imprudente na gávea tripudia?Silêncio. Musa… chora e chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto!…
Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessa divinas da esperança…Tu que da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!…Fatalidade atroz que a mente esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo,
O trilho que Colombo abriu nas vagas.
Como um íris no pélago profundo!Mas é infâmia demais! Da etérea plaga
Levantai-vos heróis do Novo Mundo!
Andrada!* arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares!><><
NOTAS
1. Resolvi postar este poema, para mostrar como Dante é lembrado 6 séculos depois de sua morte: Este poema foi escolhido pela alusão ao Inferno de Dante. Castro Alves descreve o inferno de seu tempo, contra o qual ele lutava: o navio negreiro.o navio negreiro é uma réplica do Inferno dantesco.
2.* Andrada! O poeta apela para José Bonifácio de Andrada e Silva, que foi Ministro do Reino, e lutou pela causa da independência do Brasil, sendo denominado o “Patriarca da Independência. “
3. O poema é muito belo, mas pode não parecer àqueles que só estão acostumados com a poesia moderna. Basta um pouco de paciência para compreender aqui a beleza. Primeiro, há que prestar atenção ao fato de, por necessidade de rimas, grande parte dos versos está em ordem inversa ao que estamos acostumados. Por exemplo:a) … o tombadilho / que das luzernas avermelha o brilho, em sangue a se banhar.
Ordem direta: a) “ o tombadilho, a se banhar em sangue, avermelha o brilho das luzernas. “ b) existe um povo que a bandeira empresta… (Existe um povo que empresta a bandeira).